Manuel Nunes Júnior, Ministro de Estado para a Coordenação Económica, afirmou ontem – quase parecendo ter descoberto a pólvora – que o Governo quer um maior envolvimento do sector florestal para acabar com a dependência do petróleo. Em 18 de Fevereiro de 2015 o Folha 8 escrevia: Angola tem à mão de semear alternativas ao petróleo. É preciso ter uma monumental paciência para aturar estes génios de pacotilha. Hoje, reproduzimos o artigo então publicado, de que é autor Carlos Pinho, Docente da FEUP – Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.
«Este trabalho apresenta reflexões que surgiram da participação do autor numa equipa da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) que elaborou uma proposta de um plano de estudos para uma Licenciatura em Engenharia Mecânica a ser leccionado no Instituto Superior Politécnico (ISP) da Universidade Katyavala Bwila (UKB).
O curso, proposto em parceria com a FEUP, foi elaborado depois de uma avaliação comparativa com planos de estudos de cursos em universidades de referência a nível mundial com o propósito de estabelecer um curso de engenharia mecânica de qualidade internacionalmente reconhecida, ao mesmo tempo que intimamente ligado ao desenvolvimento social e económico de Angola.
De uma discussão inicialmente virada para um projecto pedagógico, o autor avançou para o questionamento da importância estratégica de Angola na realidade energética mundial, no respeitante à energia da biomassa lenhosa e como daí se perspectivam oportunidades, quer de desenvolvimento regional, quer incentivo à iniciação científica e a uma interacção mais entre a ciência, a tecnologia e a sociedade na região Centro do país.
Esta análise é meramente pessoal e em nada envolve, quer os colegas da FEUP, quer os colegas do ISP-UKB, que trabalharam na elaboração do referido plano de estudos. É tão somente o resultado de uma reflexão pessoal que se iniciou em meados de 2011, quando a euforia devida aos levados preços do petróleo se alastrava em Angola, e noutros países produtores e exportadores deste combustível de origem fóssil e que indiciava, para quem já tinha alguma experiência da vida, o oposto de um lugar comum, depois da tempestade vem a bonança.
É que de facto, o oposto ocorre de momento, após a bonança dos elevados preços do petróleo chegou a tempestade, ou por outras palavras, a sociedade está perante a repetição da história da cigarra e da formiga.
Pode parecer despiciendo que agora se venha falar do óbvio, mas de facto as ideias base deste texto estiveram na essência de uma palestra que o autor apresentou na UKB em Dezembro de 2011. Não se poderá pois dizer que “é fácil fazer previsões após o final do jogo”. Mas esta situação de baixa temporária do preço do petróleo não pode nem deve ser encarada como uma crise. É antes uma oportunidade para Angola procurar novos caminhos.
Considerações gerais
O objectivo de se lançar um plano de estudos de um curso superior de engenharia não se esgota na formação de técnicos superiores capazes de apoiarem e desenvolverem os sectores extractivos, industriais e comerciais de um país, mas deverá permitir ainda a capacitação dos seus formandos para o exercício da investigação científica, do desenvolvimento tecnológico e da inovação.
Dando particular atenção à opção de Energia e Transportes, que é uma das opções do referido curso e na qual, por razões profissionais tenho especial interesse, levando em consideração as especificidades de Angola e da região onde se insere a zona de influência da UKB e ainda as regiões afins desta Região Académica II, existem alguns aspectos que poderão orientar a investigação científica a desenvolver futuramente assim como o desenvolvimento de todo o potencial desta região do Centro de Angola.
Em primeiro lugar chama-se a atenção para a evolução do consumo mundial de energia primária. É indubitável o peso do petróleo e do gás natural na evolução do consumo entre 1971 e 2008, segundo dados da Agência Internacional de Energia (a IEA segundo a sigla inglesa). Ora sabe-se que Angola é hoje em dia uma referência como fonte destas energias fósseis e por isso também é inquestionável que trabalhos de I & D venham a ser desenvolvidos nestas áreas. Ou seja, sendo tal um dado adquirido, mais discussão sobre temas de pesquisa nestas matérias seria um assunto recorrente.
Mas o que se pretende mostrar neste trabalho é a importância crescente das energias de fonte renovável no combinado energético mundial. Devido às suas condições climáticas e posição geográfica, Angola poderá tornar-se igualmente uma referência neste domínio, tal como hoje o é no petróleo e gás natural.
A manutenção do actual posicionamento de Angola como fornecedor de energia de origem fóssil e a necessidade de formação de técnicos em quantidade e qualidade não obsta a que se comece a olhar para outros alvos, como é o caso das energias de fonte renovável. Principalmente no actual momento em que o preço do petróleo sofreu uma grande quebra com as consequências conhecidas de todos para a economia angolana.
Tal posição de referência deverá obrigar em primeiro lugar a atender às necessidades da sua própria população, pois ainda há muito caminho para percorrer.
Angola poderá progredir rapidamente. Para efeitos de comparação com a energia equivalente consumida em média por unidade de superfície de Angola, que ficará entre 0,001 W/m2 e 0,01 W/m2, saliente-se que a irradiação solar média anual para algumas cidades angolanas é por exemplo de 205 W/m2 em Luanda, 242 W/m2 no Luena e 217 W/m2 no Namibe. Ou seja pode dizer-se de um modo simplista que o potencial energético solar de Angola é da ordem dos 200/0,008 ou seja 25000 vezes o que se consumia em 2005 por unidade de superfície do país.
É evidente que este valor foi grosseiramente estimado e como tal deve ser encarado com muita cautela. Mas o que se pretende é demonstrar o potencial enorme do país.
Para o homem comum, mesmo para especialistas políticos e económicos o petróleo é valorizado em termos financeiros, ou seja é definido um preço em US dólares por barril e toda a discussão e subsequente análise das implicações políticas, económicas e sociais gira à volta deste número. É do domínio público que o Orçamento Geraldo Estado foi elaborado tendo por base um determinado preço do petróleo em dólares por barril. Mas para os analistas científicos da área energética, o critério é outro, e tem a vantagem de não depender das flutuações do valor da moeda em que se define o custo do barril do petróleo. Eles usam um parâmetro muito simples, o Retorno Energético do Investimento – REDI (em inglês Energy Return on Investment- EROI).
Este parâmetro, o REDI, define-se como o quociente entre a energia extraída de uma fonte energética e a energia investida no processo de extracção. Isto significa portanto que no início da produção de petróleo nos Estados Unidos (na década de 1930) investia-se uma unidade de energia na extracção do petróleo e sacavam-se 100 unidades de energia.
O problema com os combustíveis de origem fóssil, é que a energia consumida para a sua extracção, produção e distribuição vem crescendo, ou seja o respectivo Retorno Energético do Investimento vem decaindo rapidamente.
Se no início da era do petróleo por cada unidade de energia investida se conseguiam extrair 100, hoje em dia esse rácio anda em termos médios por valores na casa dos 20 a 30. Portanto, qualquer raciocínio à volta das limitações ou eventuais esgotamentos das fontes não renováveis de energia, passa por esta avaliação muito simples, que é totalmente independente das flutuações dos valores das moedas, e mostra que energia abundante e barata proveniente das fontes fósseis, tem os dias contados.
Não se sabe logicamente ao certo se os tais dias contados serão muitos ou poucos, mas faz sentido em termos de estratégia nacional ir trabalhando nas fontes energéticas alternativas. Tais restrições não acontecerão provavelmente nas próximas duas ou três décadas, mas muitos países, principalmente na Europa e América do Norte, têm vindo paulatinamente a reorientar os seus projectos de investigação para esta nova realidade.
Angola terá de seguir o mesmo caminho. É evidente que a actual descida do preço do petróleo parece contrariar esta ideia, já que a produção é tanta que o preço baixou por falta de procura. Ou talvez andem por aí alguns países produtores a tentar dar um nó cego aos competidores. Toda a gente sabe que bem mais aflitos que Angola estão a Rússia e a Venezuela. Porque será?
Mas os valores do REDI que se referiram são à boca da mina ou à boca do poço. Há ainda que levar em conta o transporte, a refinação e a distribuição até aos locais de venda ao consumidor. Ou seja, o valor mínimo do Retorno Energético do Investimento que a sociedade pode suportar anda pelos 3, e os combustíveis líquidos derivados da biomassa, biodiesel, bioetanol, estão perto ou abaixo deste limite. Aliás a “briga” que se tem desenvolvido nos media sobre a questão do bioetanol produzido nos USA à custa do milho tem dado que falar.
O nuclear também não fica bem na fotografia tal como o petróleo e o gás de xisto. Aliás, relativamente a estes últimos produtos dos xistos ou areias betuminosas, dizem as más-línguas que os sauditas ao manterem a produção actual de petróleo também querem dar a sua facadazita nesta nova indústria que estava a desenvolver-se rapidamente nos Estados Unidos.
A madeira para queima está ao nível da energia hidroeléctrica, REDI da ordem dos 30, e a energia eólica também anda por valores na ordem dos 20. Abaixo de 10 a coisa complica-se. Mas vindo os combustíveis fósseis por aí a baixo, as fontes renováveis de energia ficarão ao mesmo nível, ou melhor, as fontes de energia fóssil é que vão baixar ao nível das renováveis. O carvão ainda anda lá por cima, mas há muita discussão à volta desta questão, as emissões de CO2 são muito elevadas e Angola não parece ter grandes fontes de carvão, por isso não vale a pena irmos por aí. O que nos interessa nós agora é o que interessa a Angola.
De um estudo elaborado em 1923, isto é há quase um século, onde se avaliavam as áreas favoráveis à instalação de centrais térmicas solares, constata-se a importância do Centro e do Sul de Angola, como regiões privilegiadas para este fim.
Convém não esquecer que a energia hidroeléctrica e a energia eólica não passam de derivados da energia solar. A energia hidroeléctrica provém da captura de energia solar a três dimensões, principalmente em zonas oceânicas, onde são formadas as superfícies frontais e por conseguinte as nuvens que irão trazer a precipitação pluviométrica que depois cairá no território engrossando os cursos de água. A energia eólica resulta igualmente da captura da energia solar, novamente a três dimensões e novamente em zonas oceânicas. Tanto num caso como no outro o aproveitamento energético destas formas de energia verifica-se no continente e normalmente em locais distantes daqueles onde foi capturada a energia solar original.
Também em termos extremos os combustíveis fósseis podem ser considerados como resultantes da energia eólica que levou ao desenvolvimento dos seres vivos que milhões de anos de acumulações dos restos destes levaram à formação do petróleo, carvão e gás natural. Hoje em dia, ao se perspectivar a exaustão destes recursos fósseis, fará sentido formar engenheiros que olhem com outros olhos a energia solar.
Biomassa
Presentemente cerca de 90% da energia consumida pela humanidade provém de processos de conversão onde a combustão tem um papel dominante, transportes, produção de energia eléctrica, aquecimento e cocção.
Tendo por base o valor de referência da energia solar que atinge em média o solo do planeta, 220 W/m2, bastariam 0,01 % da superfície do planeta para suprir as necessidades de energia primária consumida pela humanidade. A maneira mais simples de se capturar a energia solar é através do crescimento da biomassa vegetal. No entanto estas afirmações têm de ser analisadas com alguma cautela. Embora o rendimento teórico de conversão da radiação total recebida pelas plantas seja de 3,3 a 6,6%, consoante os mecanismos de fotossíntese seguidos por essas plantas, em termos práticos o rendimento médio da conversão da energia solar em energia química, anda pelos 0,1 a 1%.
Este diferencial mostra por um lado que há muito a fazer para se aproximar o rendimento real do teórico, e por outro lado que as áreas necessárias à cobertura das necessidades energéticas da humanidade venham a ser bem superiores aos 0,01 % da área do planeta. Contudo, aplicando as devidas cautelas, alguns aspectos do aproveitamento energético da biomassa poderão, num país com as condições climáticas e morfológicas com é o caso de Angola, levar a resultados muito relevantes. Tal é o que poderia passar-se, por exemplo, com a produção de peletes de biomassa destinadas, quer ao aquecimento doméstico, quer para a combustão combinada em centrais termoeléctricas originalmente a carvão, ou seja com a exportação deste biocombustível para a Europa.
Embora o potencial energético da biomassa cubra várias vertentes, desde a simples queima de lenha e resíduos lenhosos até à produção de biocombustíveis líquidos com elevado processamento químico, como é o caso do biodiesel, neste texto pretende-se simplesmente mostrar como Angola poderia vir a ter uma posição relevante na produção de peletes de biomassa.
Tais peletes seriam essencialmente destinadas à exportação para vários países europeus. A implantação e desenvolvimento desta fileira tecnológico-florestal poderia levar ao desenvolvimento do centro do país.
Em termos mundiais a produção e consumo de peletes de biomassa concentram-se na Europa, sendo que os países maiores consumidores são a Áustria, a Alemanha, a Dinamarca a Suécia e a Itália, no que diz respeito ao consumo doméstico. Em termos de consumo industrial, essencialmente em centrais termoeléctricas onde as peletes queimam combinadas com o carvão, encontram-se a Bélgica e a Holanda. Como a produção europeia de peletes não consegue suprir as necessidades do continente os consumidores viraram-se para fontes de biomassa exteriores à Europa.
Por seu lado os Estados Unidos e o Canadá, que de momento são grandes produtores virados para o mercado europeu, começam a perspectivar-se como futuros grandes consumidores, prevendo-se que a curto prazo a China também se torne um grande consumidor.
Analisando apenas o tráfico das peletes, verifica-se que as grandes produções vão da América do Norte, Estados Unidos e Canadá, para a Europa. Existe ainda exportação para a Europa de peletes da África do Sul, através do porto do Maputo, da Austrália, da Indonésia e da Argentina e também são fortes a possibilidades de que a breve trecho o Brasil se torne um grande exportador de peletes.
Ora tendo em atenção a posição de Angola relativamente à distância que as peletes têm de percorrer até à Europa, caso venham da Indonésia, da Austrália, da África do Sul, da Argentina e do Brasil, constata-se que o país está numa posição favorável em termos de distâncias a percorrer. O mesmo se passa comparando-se o percurso desde a costa ocidental do Canadá até à Europa. Depois há ainda que levar em consideração a produtividade da floresta subtropical, comparativamente às florestas temperadas da América do Norte. Ou seja, no caso de Angola há uma combinação de factores extremamente favoráveis ao cultivo de pinheiros e eucaliptos, ao transporte da peletes por via-férrea até ao litoral via Caminho de Ferro de Benguela e ao transporte oceânico destas até à Europa do Norte e Central.
Existem pois zonas mais favoráveis para a exploração do Pinus patula, um pinheiro originário do México, introduzido em Angola no tempo colonial, e que se adaptou muito bem ao planalto central de Angola. Refere-se esta espécie vegetal porque as peletes de pinho são as que apresentam melhor qualidade de acordo com a normalização vigente na Europa. Aliás o pinho permite a produção de peletes “topo de gama”, com teores de cinza iguais ou inferiores a 0,7% segundo a norma europeia, destinadas ao mercado doméstico.
O desenvolvimento de uma fileira da pelete de madeira de Pinus patula, ou mesmo de outras espécies silvícolas a definir posteriormente, iria não só incentivar mas certamente aumentar o cultivo desta espécie vegetal, como incrementaria a criação e desenvolvimento de indústrias afins à silvicultura, comercialização e manutenção de alfaias, empresas destinadas ao corte e transporte da madeira, instalação de unidades de peletização relativamente perto dos locais de colheita, transporte das peletes até à rede ferroviária, transporte ferroviário destas desde o centro da país até ao Lobito, armazenagem no porto do Lobito e embarque em navios “peleteiros”.
Ora toda esta sequência, aqui coberta de um modo simplista, obrigaria a uma aplicação e desenvolvimento de técnicas de engenharia que iriam cobrir todo um espectro tecnológico. Desde a silvicultura, passado por sistemas de movimentação e transporte, preparação da biomassa para a sua peletização, o que inclui o corte, a trituração, a separação granulométrica, a secagem, a peletização propriamente dita, o armazenamento e controlo dos riscos de auto-inflamação e explosão, e a gestão e logística de todo este processo. Adiciona-se a isto a necessidade prévia de se definir uma estratégia de marketing que visaria a demonstração das potencialidades da região central de Angola para a produção deste recurso energético de fonte renovável e ainda a compatibilização de todo este processo com um desenvolvimento equilibrado e sustentável destas regiões do país.
Esta evidência, que partiu de uma análise, embora simplista, de tendências da evolução próxima da procura de fontes de energia de origem renovável, que interessam à Europa para esta minimizar as emissões de gases de efeitos de estufa, permite demonstrar que na zona central de Angola existem potencialidades muito grandes que permitam arrastar o país para uma posição de relevância na produção e exportação de peletes de biomassa.
É evidente que as ideias aqui transmitidas podem levar a reacções mais ou menos acaloradas, defendendo que a agricultura e a silvicultura devem primordialmente ser usadas na produção de alimentos e na garantia da biodiversidade, mas nada obsta, a que com cautelas e bom senso, se possam igualmente cultivar e exportar “produtos energéticos”.»